Congratulamos a iniciativa municipal de melhorar os habitats da floresta ribeirinha de Aljezur e em simultâneo a abertura à população e o caráter pedagógico dado ao projecto. No entanto, sendo um projecto que pretende melhorar um espaço e
disponibilizá-lo à população, a informação disponibilizada foi insuficiente e pouco clara, além de que não foi feita qualquer auscultação em tempo útil. Relativamente aos termos técnicos e à execução no detalhe, a RWSW Rewilding Sudoeste, não pode estar de acordo do Projecto de Requalificação e Valorização da Ribeira de Aljezur, apresentado pelo Município de Aljezur, pelas seguintes razões:
- O projecto apresenta falta de informações relevantes e importantes, sobre a realidade das ribeiras do nosso município;
- De acordo com o levantamento da vegetação e propostas apresentadas, foram encontrados erros que refletem um conhecimento débil da realidade do local e que podem colocar em causa as respostas às necessidades concretas dos locais com intervenções técnicas específicas;
- Não estão justificadas as zonas de intervenção escolhidas, nem as mesmas estão indicadas com rigor, nem se indicam quais os critérios escolhidos para cada intervenção;
- Fomos informados sobre a utilização de diversas técnicas de engenharia biológica no projeto, mas sem nunca ser clarificado o porquê da intervenção e respetiva escolha da técnica a usar, não ficando claro qual o problema concreto a corrigir com a ação;
- Consideramos que substituir técnicas convencionais com betão, por exemplo, por soluções de engenharia biológica, sem uma justificação fundamentada relativa a cada problema concreto, e sem locais devidamente identificados, é pouco útil, não justificado e dispendioso;
- Foram apresentadas listas de plantas para a plantação, atribuídas a determinados locais e com a informação do código do local previsto pelo projetista, mas sem especificar os locais exatos das plantações previstas. Estas listas, bem como as explicações do Projectista, revelaram algumas falhas no que toca à apreciação da vegetação ribeirinha dos locais em questão;
- Não compreendemos a razão de nova intervenção nas margens naturais da ribeira das Alfambras, e nas áreas da galeria ripícola da ribeira das Cercas onde existem grandes amieiros (Alnus lusitanica), onde está bem evidente a estabilização das margens por vegetação natural.
Da análise ao projecto, e às acções já levadas a cabo, consideramos como bastante preocupante:
- Os cortes de grandes extensões de cana já realizados nas margens da ribeira, que não só ocorreram durante um período não aconselhado, como deixaram as margens instáveis e mais expostas à erosão e desabamentos, impactando já uma grande área de habitats ribeirinhos. A saber, nestas intervenções é necessário criar refúgios, para promover uma futura recolonização;
- As acções de corte com grande impacto levadas a cabo, que suspeitamos terem eliminado corredores de espécies da nossa fauna silvestre, tal como a Lontra (Lutra lutra);
- O controle das Canas (Arundo donax) através da técnica de corte e tratamento químico com um produto de glifosato. Manifestamos as nossas dúvidas e preocupação relativamente ao uso de químicos, especialmente no que se remete ao sucesso e potencial perigo de contaminação resultante das ações de aplicação do veneno. À data, desconhecemos dados científicos relativos aos efeitos do glifosato numa ribeira sazonal, o que por prudência deveria ser o suficiente para evitar a aplicação deste produto, numa ribeira em parque natural e em meio urbano;
- Ao nível da biodiversidade e da proteção da fauna não é de todo aconselhável aplicar esta técnica no troço mencionado. Este local é habitat de Squalius aradensis, o Escalo-de-Arade, endêmico do Sudoeste de Portugal, que tem populações apenas nas ribeiras de Arade, Bensafrim, Aljezur, Seixe e Mira;
- Não é aceitável interferir no habitat deste peixe incluído na Lista Vermelha (categorizado “Criticamente em Perigo” (1)), sem apresentar um levantamento pormenorizado das condicionantes e uma boa justificação para o fazer.
Face ao exposto, sugerimos:
- A correcção dos erros encontrados na listagem de plantas a usar, ainda no projeto de execução, tal como foi expresso pelo Projectista em reunião com a RWSW;
- O amial do troço das ribeiras das Alfambras, das Cercas e Aljezur é um habitat de grande importância não só ao nível local, mas a nível internacional, pois representa um dos amiais mais a Sul de Europa e alberga uma notável biodiversidade, seja da fauna, seja da flora (2). Por estas razões, aconselhamos a que nos troços intactos, não haja qualquer intervenção;
- A escolha das espécies a plantar baseou-se em informações sobre a vegetação climatóphila da bio-região do Sudoeste de Portugal. No entanto, aconselhamos escolher espécies à base de informações sobre a vegetação de geosigmeta higrófila (3), a saber:
• Campanulo primulifoliae-Alno glutinosae Gs. (água doce pouco mineralizada)
• Salici atrocinereo-australis Gs. (água doce pouco mineralizada)
• Irido foetidissima-Fraxino angustifoliae Gs. (água doce pouco mineralizada) - A lista de plantas a escolher deverá ser corrigida e evitar:
• a introdução de espécies estranhas à região (exemplos: Quercus robur, Frangula alnus, Alnus glutinosa) e/ou
• a introdução de espécies que não aguentam as condições ambientais de uma floresta ribeirinha / galeria ripícola (exemplos: Calluna vulgaris, Myrthus communis, Ruscus aculeatus, Erica lustitanica, Erica ciliaris, Crataegus monogyna, Cistus psilosepalus, Lavandula viridis, Quercus faginea, Viburnum tinus, Arbutus unedo, Quercus canariensis); - Propomos que ao longo dos próximos três anos, se tente estudar melhor quais as técnicas adequadas para a remoção das canas (Arundo donax), e quais as melhores técnicas de manutenção e monitorização para as intervenções, apostando, para já, na remoção manual selectiva contratando pessoas especializadas;
- Consideramos que existe falha de informação e de recolha de dados sobre a realidade das ribeiras em questão e que com a partilha dessa informação se possa ainda reavaliar o projeto e áreas de intervenção, assim como técnicas a implementar. Este tipo de intervenção deve aglomerar uma grande quantidade de informação específica que está já disponível e acessível ao município e projetista. Assim, aconselhamos que as intervenções sejam para já reduzidas:
1) ao troço da ribeira de Ceiceiro e
2) ao troço da ribeira das Alfambras, a partir das casas da Vila para Sul até à ponte para Montes Ferreiros.
Indicamos estes dois troços uma vez que ambos estão altamente afetados pela cana e não existem dados relevantes sobre a biodiversidade existente nestes locais, não sendo comparáveis com a de outras partes da zona ribeirinha de Aljezur; - Aconselhamos à Câmara Municipal de Aljezur a criação de uma equipa multidisciplinar, com capacidade para realizar acções de intervenção e manutenção na Ribeira, bem como organização de acções de sensibilização junto da população;
- Propomos simultaneamente a realização de acções para plantação de árvores, em substituição das espécies invasoras, envolvendo a comunidade local.
Deixamos expressa a nossa disponibilidade para colaborar com o município e o projetista, seja através da partilha de documentos, seja através da partilha de informação e dados que possuímos, de forma a enriquecer o projeto e a conseguir as soluções adequadas para as diferentes situações. Naturalmente, solicitamos o acesso ao projeto de execução.